Dorgival Viana Jr

Introdução

Neste artigo comentaremos um pouco sobre a competência para as ações em que os Estados ou o Distrito Federal sejam parte, principalmente:

a) Como é fixada a competência para processar os estados atualmente (CPC/73);

b) Quais as regras trazidas pelo novo CPC para as demandas em que estados e DF sejam parte (como autor ou réu);

c) Nossa opinião sobre a extensão destas regras para autarquias e fundações públicas de direito público.

Competência no CPC – 1973 (revogado)

O CPC/1973 – já revogado – não trazia regras específicas tratando da competência para as ações contra a Fazenda Pública Estadual (ou do DF).

As regras estavam, genericamente, no CPC e, em relação à competência funcional (específico órgão competente),  nos diversos códigos de organização judiciária que preveem varas específicas para a Fazenda Pública Estadual em determinadas localidades (principalmente nas capitais e grandes cidades).

A regra, genérica, era encontrada nos arts. 94 e 100 do CPC (transcrição das principais regras):

Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

 

Art. 100. É competente o foro:

II – do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III – do domicílio do devedor, para a ação de anulação de títulos extraviados ou destruídos;

IV – do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica;

b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se Ihe exigir o cumprimento;

V – do lugar do ato ou fato:

a) para a ação de reparação do dano;

Parágrafo único. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.

A competência era, assim, determinada por regras gerais de competência (ex: domicílio do réu) ou por normas relacionadas à pretensão deduzida em juízo, mas não em relação a pessoa.

Competência para as ações contra Estados ou DF no Novo CPC

 

O Novo CPC inovou ao prever regras específicas para ações que tenham como parte os Estados ou o DF. Importante a transcrição do art. 52 do novo código:

Art. 52.  É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal (domicílio do réu para o Estado como demandante).

Parágrafo único.  Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

Como se percebe, os Estados e o DF devem se sujeitar a demandar no domicílio da parte adversa nas ações em que forem autores.

Nas ações em que figurem como réus, o autor poderá escolher um dos seguintes foros para demandar:

a) Seu próprio domicílio;

b) Local do ato ou fato que originou a demanda;

c) Foro de situação da coisa;

d) Na capital do estado;

O autor poderá escolher qualquer um desses foros para apresentar sua demanda não sendo necessário justificar a escolha, pois são foros concorrentes e não sucessivos.

É dizer: a escolha de um desses quatro foros é direito potestativo do autor.

Digo mais, tratando-se de autor domiciliado fora do estado ao qual demanda, a Fazenda Pública poderá ser chamada a responder em outro estado, se o autor assim decidir.

Exemplo: Turista domiciliado em São Paulo é atingido por uma bala perdida da PM do Rio de Janeiro quando conhecia a capital carioca causando lesão grave. Neste caso, ele poderá demandar contra o Estado do Rio de Janeiro em São Paulo (seu domicílio).

Assim, o único questionamento que pode ser feito refere-se a comprovação do fato jurídico, ou seja, do seu domicílio, local do ato ou fato, da situação da coisa etc.

Extensão da regra da competência relativa aos Estados para as autarquias e fundações públicas

Na época de elaboração deste artigo, entendi que o regime jurídico de direito público e a analogia com a situação dos Juizados da Fazenda Pública autorizaria a extensão da regra do art. 52, parágrafo único mencionado acima (competência ampla) para que se pudesse demandar contra as autarquias e fundações de direito público também no domicílio do autor.

Embora não descarte que este seja um entendimento que possa, ao final, prevalecer, acredito que não seja essa a melhor doutrina.

Atualmente, entendo que a especificidade de propósitos da autarquia não permite a ampliação da competência para suas causas sem a devida previsão legal ou constitucional específica.

Muitos estados, inclusive, contam com procuradorias para cada ente, o que dificulta o estabelecimento de termos de cooperações com PGE’s.

O próprio texto do Novo CPC prevê – diferente do que fala sobre estados e DF – que a Lei do respectivo ente federado estabelecerá o legitimado para a defesa da autarquia.

Assim, com relação às autarquias estaduais entendo que deve prevalecer a regra geral de competência.

Mas e as Autarquias e Fundações Públicas de Direito Público Federais?

Com relação à União, a Constituição Federal dispõe de norma anterior e similar a do Novo CPC:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

O Supremo Tribunal Federal, já em 2016, apontou que esse dispositivo é aplicável às autarquias federais por diversos motivos, vejam o ponto mais relevante do acórdão sobre esse ponto:

“1. Aplica-se às autarquias federais o art. 109, § 2º, Constituição Federal. Portanto, havendo vara federal na cidade do interior onde tem o autor seu domicílio, não se poderá obrigá-lo a acionar as autarquias federais somente nas suas sedes ou sucursais, como quer o agravante, sob pena de inversão, contra o jurisdicionado, do privilégio consagrado na Constituição. Precedentes da Corte.” (RE 951008 RS, Rel. Ministra Carmén Lúcia, Julgamento em 11/03/2016)

Por essas razões, ainda que a Constituição não seja expressa, entende a Suprema Corte que a menção à União feita no texto constitucional é extensível às autarquias.

Desse modo, a leitura do dispositivo legal deve ocorrer, sempre, com o olhar constitucional, o que resulta na conclusão de que em sendo ré a autarquia federal o ajuizamento pode ocorrer no juízo federal do domicílio do autor, no do local do fato ou foro de situação da coisa ou, ainda, no DF.

 

Acredito que estas sejam os principais apontamentos sobre a Competência para processamento de demandas em que Estados ou DF sejam parte, mas se tiver alguma dúvida você pode deixá-la nos comentários ou nos escrever na seção Fale Conosco.

26 respostas

      1. Prezado Dorgival, eu poderia mover uma ação de obrigação de fazer contra o Detran/MG na Justiça Estadual? Tendo em vista que não existe Fazenda Pública em minha cidade?

        1. Olá colega,

          Não entendi bem a pergunta. As ações contra autarquias e órgãos estaduais devem ser propostas na justiça estadual, nas comarcas em que existir vara da Fazenda Pública Estadual as demandas são a ela distribuídas.

          Você também deve analisar se é ou não competência dos juizados da fazenda estadual

          Forte abraço,

  1. Ilustre em habeas data em face de prestadora de serviço público (empresa privada) se aplica a regra do art. 52 ? E ainda, se a prestação for em Estado diferente ainda permanece a competência do domicilio do autor (art. 52, regra)?
    Esse tema do NCPC é curioso pq, se é assim e me parece que sim, a empresa prestadora de serviço pode ser acionada em Estado longínquo e ter de bancar escritório nestes termos, diferente das fazendas que têm os convênios.

    Parabéns pelo ótimo artigo !

    1. Olá José Filho,

      Primeiramente adianto que esta é só minha opinião, não necessariamente irá prevalecer.

      Entendo diferente do colega, pra mim o art. 52 só se aplica estritamente, ou seja, somente aos Estados e ao DF, não se estendendo às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público

      Assim – na minha opinião – a regra seria a do art. 53

      Forte abraço,

  2. Como será no caso em que um Estado precise demandar outro Estado? Qual será o foro competente para a propositura da ação? Obrigad

    1. Em regra, demandas propostas por um estado contra outro são julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, f da Constituição Federal “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta“)

      Forte abraço,

  3. Tenho uma dúvida no caso de um município ser demandado. A regra dos art. 51 e 52 parágrafos únicos se aplicaria, por simetria, ao referido ente?

    1. Olá Fernanda,

      Entendo que há especificidades dos municípios que não permitem a extensão de regras específicas para a União e para os Estados/DF, mesmo hoje, em 2018, nem todos os Municípios possuem Procuradoria estruturada

      Forte abraço,

  4. Prezado Dr. Dorgival Viana Jr.
    Bom dia, porque agora são 02h e 18m do dia 12 de novembro de 2018.
    Meu desejo é que o nobre causídico e colega, tire uma dúvida cruel, ou seja:
    Fui condenado injustamente, em 03 meses de detenção em regime aberto, por suposta agressão com base na Lei Maria da Penha em 2014, quando na realidade quem sofreu agressões fui eu, cujas lesões no cóccix(manchas roxas nas nádegas), causadas pelo empurrão e a queda sobre um carrinho de bebidas, foram desconsideradas pelo médico legisla mal caráter, muito embora tenha apelado e embargado os vários Acórdãos decorrentes. QUEM LIGOU PARA 190 FUI EU, NO ENTANTO, HOUVE INVERSÃO DE VALORES NA DELEGACIA DE POLÍCIA NO MOMENTO DO REGISTRO DA OCORRÊNCIA E DE NADA ADIANTOU SER ADVOGADO, POR QUE INCLUSIVE FUI AMEAÇADO DE DESACATO.!!! UM VERDADEIRO ABSURDO.!!! Em 21.07.2014 ocorreu o evento, em 07.10.2014 foi recebida a denúncia e em 12.05.2016 foi proferida a sentença condenatória, 01 ano, 07 meses e5 dias, e publicada no DJ em 08.06.2016, tendo eu, completado 70 anos em 19.04.2015, portanto, beneficiário da “PRESCRIÇÃO ETÁRIA”. Ocorre que, venho tentando obter a Declaração de Reconhecimento, mas não tenho conseguido, devido a má vontade dos Desembargadores, à época em que os autos estavam no TJ. Após ser declarada, a aludida PRESCRIÇÃO, pelo Juízo de Primeiro Grau, cujo pedido foi protocolado em 18.10.2018 ou pelo Juízo da Vara de Execuções, para onde já foi encaminhada a Carta Guia de Execução Penal, em 08.10.2018, a qual foi IMPUGNADA POR DIVERSOS ERROS MATERIAIS, bem como, o Pedido de Prescrição, pretendo ingressar em Juízo com a merecida e devida AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MORAL POR PRESCRIÇÃO RETROATIVA, porém, não como proceder, nem onde ajuizar.!!! Devo protocolar a petição inicial no STJ endereçada ao Ministro Presidente da 1ª Seção (da 1ª ou 2ª Turma por sorteio) do STJ.??? Visto que, cuida-se o Réu, ser o Tribunal de Justiça o causador do constrangimento, vergonha, situação vexatória, humilhação, caracterizando, portanto, o Dano Moral. Enxovalhando meu ilibado nome e consequentemente me fazendo perder clientela ao ser consultado nos órgãos específicos.!!! Aguardo o mais breve possível a orientação de V.Exª.!!! Cordialmente grato.!!!
    Dr. Hamilton
    Advogado – 12.11.2018 – 02h18m

    1. Bom dia colega,

      Primeiramente agradeço pelo comentário e leitura de meu blog, mas informo que me aterei as questões processuais do caso que você apresenta, não vejo como analisar a conduta de quem quer que seja e o grau de dano sofrido

      Pelo que você menciona, você busca uma reparação civil por um dano moral que alega ter sofrido. É um caso de responsabilidade civil e não de recurso penal/correição administrativa

      Ações dessa espécie não são propostas contra o TJ (que não tem personalidade jurídica), mas contra o Estado. Inclusive com citação na PGE.

      Sugiro que pense bem e consulte colegas que atuam nesse campo (responsabilidade civil do Estado) antes de ingressar com qualquer ação judicial neste sentido, vez que a defesa do Estado será a de exercício regular de um dever-poder de processar quando presentes elementos mínimos que fundamentem uma denúncia criminal.

      Todavia, caso opte por ingressar com uma ação de reparação civil contra o Estado, a competência é do juiz de primeiro grau com competência para causas referentes à Fazenda Pública Estadual.

      O STJ não possui competência originária para julgar esse tipo de ação.

      Acho improvável, mas você pode analisar a Constituição do Estado para checar se não há causa de competência originária do TJ só para ter certeza (algo do tipo “ações em que questionadas medidas adotadas pelo Tribunal de Justiça” – nunca vi Constituição que estendesse a competência originária para casos diferentes de Mandado de Segurança/Habeas data, mas vale o cuidado).

      É isso colega, forte abraço

  5. Prezado Dr Dorgival,
    Parabéns pelo post. Simples e esclarecedor.
    Uma dúvida: de quem (juízo / vara) é a competência para receber e julgar ação de indenização por violação de direitos autorais contra o Estado (Estado como reú)?

    1. Olá Thiago, agradeço o elogio

      A divisão funcional de competências está sempre no Código de Organização Judiciária do seu estado.

      Em geral, ações contra o Estado-Membro são processadas nas Varas da Fazenda Pública Estadual ou nos Juizados da Fazenda Pública

      Forte abraço,

  6. Olá, dr! Me tira uma dúvida: atuei como advogada dativa em processo criminal e na sentença condenatória o juiz arbitrou os honorários que o Estado da Bahia deve me pagar. Nesse caso, devo ingressar com cumprimento de sentença (apesar de não ter transitado em julgado)? Ou posso ingressar na justiça cível em processo autônomo com ação de obrigação de fazer?

    1. Olá Amanda,

      Se a obrigação é de pagar, o pedido não pode ser por obrigação de fazer

      É possível sim pedir cumprimento antecipado contra a Fazenda Pública (antes do trânsito em julgado), no entanto é de salientar que o efetivo pagamento de RPV ou precatório só pode ocorrer após o final definitivo do processo.

      Cumprimento antecipado contra fazenda pode servir, no máximo, para adiantar as fases anteriores à satisfação do crédito. Sugiro analisar a utilidade.

      Forte abraço,

  7. Prezado Dr. Dorival Viana Junior, quero lhe parabenizar por ser um profissional estudioso e aqui ocupado de nos deixar boas referências. Grata também sou por sua nobreza. Eu sou advogada, porém por motivos pessoais afastada da militância. Ocorre que tenho visto uma oportunidade para minha retomada profissional no reconhecimento da restituição do ICMS cobrado indefinidamente, em que pese a possibilidade da alteração da legislação tributária penso ser de grande valia para os legítimos interessados a possibilidade da indenização se dar pela via administrativa. Mas, diante de sua experiência profissional e competência o que me aconselha? Está a par dos desdobramentos dessa questão?

  8. Dr. Dorival,
    Sendo uma pessoa moradora do interior do estado e querendo ajuizar ação na capital pelo juizado especial da fazenda pública, ela pode?
    Uma vez que o domicilio dela é diferente mas ela pretende entrar na capital

    1. Olá Riccardo,

      Muito pertinente sua dúvida, no meu entender ela poderá ingressar na capital contra o Estado em que mora ou contra a União. Contra municípios teria que entender melhor o caso.

      Assim, no meu entender vai depender da Fazenda Pública contra quem ela quer demandar, mas você pode dar uma olhada na Constituição Estadual e código de organização.

      Abraço,

  9. Poucas vezes, nos meus 34 anos de advocacia vi tanta inteligência e saber jurídico, acrescidos de uma forma simples e esclarecedora de matéria taão importante. Um abraço do tamanho do Rio Grande do Sul.

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