Dorgival Viana Jr

Introdução

Neste artigo nós iremos analisar a litigância de má-fé no Novo CPC e após sua leitura você saberá os seguintes pontos:

Os deveres das partes

Ao ingressar ou mesmo ser demandado em juízo é preciso se ter em mente que se está diante do Estado-Juiz e as partes devem proceder com a responsabilidade adequada.

Por isso a lei impõe aos litigantes (e a todos que participem do processo) determinados deveres que, na minha concepção, se vinculam à ética, à moral e à relação cooperativa com o estado.

O artigo 77 do Novo CPC elenca o rol dos deveres das partes, seus procuradores e de todos os participantes do processo, transcreveremos todos com algumas anotações em cada item (o que está em vermelho, eu acresci):

Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I – expor os fatos em juízo conforme a verdadeTrata-se do dever da verdade. A ninguém é dado mentir no processo. Se não concorda com determinada consequência jurídica, pode buscar uma interpretação jurídica que lhe favoreça, mas jamais alterar a verdade dos fatos. Por exemplo: um locador afirma no processo que demorou 10 meses para receber o imóvel e cobra o valor correspondente a todo o período, mas o locatário afirma que simplesmente não chegou a um acordo, mas devolveu as chaves e prova que o locador alugou para outro inquilino apenas 2 meses após o prazo. Assim, o locador violou o dever de expor os fatos de forma verdadeira.

II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamentoAo apresentar uma pretensão em juízo, a mesma deve ter por base o direito. Não deve ser pedir por pedir, o fundamento jurídico deve estar delineado no processo. O mesmo para a defesa.

III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito: O processo é um caminhar para frente, as partes não devem ficar requerendo e realizando atos meramente protelatórios que não servem para ajudar no aclaramento das questões. Assim, viola este dever arrolar testemunhas desnecessárias, levantar questões que nada se relacionam com o discutido em juízo etc.

IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivaçãoEsse é um dos mais simples, assim que exigível, a parte não deve se opor (faticamente) ou criar embaraços ao cumprimento de decisões judiciais. Isto não significa que não pode recorrer, interpor incidentes processuais (nos casos em que cabíveis), mas deve sempre utilizar um meio legítimo de impugnação. Imagine uma reintegração de posse de um apartamento em que quem deve entregar a coisa simplesmente substitui a porta por uma parede para evitar que qualquer um entre no imóvel.

V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva: Destinada principalmente aos advogados, considero muito mais um ônus que um dever, ou seja, a parte tem a obrigação de comunicar seus endereços, mas se não o fizer poderão sofrer consequências negativas.

VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso: A parte não pode modificar ilegalmente o suporte fático ou jurídico do bem litigioso, como, por exemplo, vender um bem que lhe foi depositado pelo Juiz.

Grave violação aos deveres processuais: Atos atentatórios à dignidade da justiça.

Todos os deveres devem ser rigorosamente cumpridos. Deixo logo claro, que nenhum deles pode ser violado.

No entanto, a lei aponta que algumas condutas devem ser punidas mais severamente, são elas:

Essas condutas são consideradas como atentatórias à dignidade da justiça, motivo pelo qual podem ser punidas com multa de até 20% (vinte porcento) do valor da causa, de acordo com a gravidade do ato.

Além disso, responderá civil, penal e, se for o caso, administrativamente.

Importante observar que a multa não é destinada à parte adversa, mas é propriedade da a União (nas justiças federais) ou do Estado/DF (Justiças Estaduais), por isso que, não sendo paga a multa, a mesma deve ser inscrita em dívida ativa que pode ser objeto de execução fiscal.

A multa por ato atentatório à dignidade da justiça de que trato aqui pode ser cumulada com as multas decorrentes do cumprimento de sentença.

Se o juiz considerar o valor da causa irrisório ou inestimável, a multa (de 20% do valor da causa) pode ser fixada em até 10 vezes o valor do salário-minimo.

Essa multa específica não pode ser aplicada aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, porque a responsabilidade deve ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria.

Nos casos de inovação ilegal de estado de fato ou de direito, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo até mesmo proibir a parte de falar nos autos até que se efetive a purgação do atentado (o que não elide a multa que tratamos aqui).

O advogado, público ou privado, não pode ser obrigado a cumprir a decisão no lugar da parte. Muitas vezes, na vigência do CPC anterior, havia mal entendidos neste ponto, principalmente em relação aos advogados públicos que, em regra, não tem atribuição para efetivamente cumprir decisão alguma, cabendo apenas comunicar o gestor para que cumpra.

Todos os que participam do processo são proibidos de empregar expressões ofensivas nas peças apresentadas, devendo proceder com urbanidade, sempre. Inclusive o juiz deverá determinar que o que for ofensivo seja riscado nos autos.

Isto não significa que não pode criticar.

Se as expressões ou condutas ofensivas foram manifestadas na presença do juiz, este deverá advertir o ofensor, sob pena de lhe cassar a palavra.

Da Responsabilidade por Dano Processual – Litigância de má-fé

Tal qual o Código de 73, o Novo CPC Brasileiro tratou da litigância de má-fé em uma seção específica sobre a responsabilidade por dano processual.

O CPC-2015 nos informa, no artigo 79, que o litigante de má-fé responde por perdas e danos, seja autor, réu ou interveniente.

No artigo 80 do Novo CPC são elencadas as condutas que devem ser consideradas como má-fé processual, vejamos os incisos (comentários nossos em vermelho):

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso: É a tentativa de induzir o julgador a erro por meio de artifício;

II – alterar a verdade dos fatos: É a mentira, a tentativa de enganação. Não pode ser tolerada;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal: O processo serve ao direito, usá-lo para conseguir efetivar o ilícito é, obviamente, ilegal e ilegítimo. Exemplo disso, é tentar manipular documentos e títulos inválidos para conseguir bloquear e levantar valores grandes indevidamente;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo: A interposição recalcitrante de resistência incabível pode ser considerada de má-fé, pois causam o retardamento do processo de modo injustificado;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo: Trata-se de cláusula aberta, as partes e todos os sujeitos processuais podem e devem proceder de maneira responsável, uma vez verificado que está procedendo de maneira temerária, deve ser punido com a multa por litigância de má-fé;

VI – provocar incidente manifestamente infundado: Incidentes claramente infundados (exemplo: contra texto expresso de súmula vinculante) podem ser considerados de má-fé;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório: Além de qualquer incidente infundado, os recursos meramente protelatórios também não podem ser tolerados e devem ser punidos com a sanção por litigância de má-fé.

Sanção por litigância de má-fé e últimas observações

As hipóteses, inclusive, são as mesmas que previa o art. 17 do CPC/73 (considerando as alterações da Lei 6771 de 1980).

As consequências, no entanto, são distintas. A multa criada pela Lei 9668/98 de 1%, passa a ser passível de arbitramento em faixa variável de um a dez por cento como regra geral.

Quando o valor for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em montante de até 10 vezes o valor do salário mínimo (como no caso da multa prevista no ponto anterior – ato atentatório à dignidade da justiça).

Neste momento, entendemos que ao dispor que, em sendo irrisório o valor dado à causa, a multa pode chegar a 10 vezes o salário-mínimo, entendo que devemos considerar como tal sempre que dez por cento do valor da causa não alcançar os tais dez salários mínimos.

É dizer: No entender deste articulista o limite superior de aplicação da multa (10%) não poderá ficar aquém de 10 salários-mínimos.

Isso não quer dizer que a multa, nestes casos, deve sempre ser fixada em 10 salários-mínimos, apenas que esse é o limite máximo, ou seja, sempre será possível fixar em valor inferior, desde que não fique aquém de 1% do valor da causa.

Assim, se o valor da causa é dez mil, por exemplo, entendemos que o limite superior para aplicação da multa pode superar os dez por cento do valor da causa, sendo aplicável o que considero o “teto mínimo” de 10 salários-mínimos, conforme a gravidade da conduta específica praticada.

Embora já adiante que seja recomendável elaborar efetivo pedido neste sentido, sequer entendo ser necessário que a parte lesada peça tal condenação, sendo lícita a fixação da sanção de ofício pelo judiciário.

Em havendo mais de um litigante, o juízo deverá condenar cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

A indenização por perdas e danos será fixada pelo juiz, sendo permitido o arbitramento ou a liquidação pelo procedimento comum, nos próprios autos.

 

Forte abraço colegas.

Dorgival Viana Jr

4 respostas

  1. Com a devida vênia, Faltou abordar no artigo, abordar “a escolha livre do direito utilizado”, ou seja, se ao autor ter subjetivamente dois ou mais direitos que ampare sua pretensão, por exemplo, o mesmo pagou o valor convencionado na compra de um imóvel, mas, as partes não lhes dão a escritura definitiva porque estão impedidos por alguma razão (por exemplo, a falta do inventário), contudo, não oferecem nenhuma objeção de fato ou jurídica, mas o mesmo esta na posse do imóvel mansa e pacificamente por mais mais de 15 anos.
    Poderia ele com ação de obrigação de fazer ou ação de indenização, mas, como se depara, passado mais de 15 anos na posse mansa e pacífica com animus de dono, criou-se um novo direito, o de propor “ação de usucapião extraordinário”.
    Aliás, a constituição diz claramente que a justiça dará os meios necessários para a garantia que seu direito seja cumprido!
    Então, optando o credor do direito em ingressar com a ação de usucapião que é mais efetiva de menor custo e independente da vontade dos devedores da obrigação de ceder-lhe o direito, mesmo havendo essas outras formas de direito (inventário,partilha ou a existência de dívidas para com terceiro) entendo que o mesmo não cometeu litigância de má-fé, e por via de consequência não poderá o juiz decretar-lhe litigante de má-fé até porque no usucapião extraordinário não exige o justo título tão pouco a boa-fé!
    Estou correto ou não, ainda que os réus não ofereçam oposição a este tipo de ação?
    Aliás, penso mais, que se decretada pelo julgador a litigância de má-fé é cabível pelo autor o direito de ingressar com habeas corpus em face do mesmo por violação do direito constitucional supra citado ( os meios necessários a obtenção do seu direito subjetivo, vez que, a constituição não o obriga a ingressar com esse ou aquele tipo de ação)!
    Ou caberia um agravo de instrumento, apenas ou isso não seja a medida apropriada?
    Abraços e gostaria de um comentário acerca dessa colocação!

    1. Novamente tenho que respeitosamente discordar do colega. Acredito sim que exista o direito constitucional a escolher a pretensão que será levada a juízo, no entanto isto não significa que a parte autora possa dolosamente omitir fatos e pessoas relevantes ao deslinde da causa. No exemplo citado (e o menciono apenas abstratamente), se é sabido que determinado imóvel está, no momento, sendo objeto de litígio em inventário, acredito que decorre da boa fé o dever de informar isto ao juízo, ainda que utilizando uma tese jurídica para afastar a necessidade de citar o inventariante ou de exclusão do bem da legítima. Falo isto de modo abstrato e, obviamente, qualquer conclusão em um ou noutro sentido deve ter por base os elementos levantados no processo. Apenas quando provada a litigância de má-fé é que cabe a condenação a este título.

  2. Bom artigo, mas acho um tanto inconsistente no que tange ao direito constitucional invocado e dá muito poder aos julgadores, aliás, ainda mais agora que há no judiciário “uma febre de fabricação em série de Sergio Moro(s), Marcelo Bretas(s) e porque não, até mesmo o saudoso e exemplar Teori Zavascki -Este, Verdadeiro Discípulo de Sobral Pinto”, assim, muitos juízes estão procurando pegar uma “carona no barco desses Nobres”
    E nesse ritmo os mesmos “esquecem dos direitos constitucionais” que são normas superiores, conforme Norberto Bobbio in “Teoria das Normas Jurídicas”
    Contudo, se esquecem de seus “gordos” salários e suas benesses secundarias” e, assim, estão havidos em decretar penas de multa quase sempre em seu maior grau, negando quase que sistematicamente a “Assistência Judiciária Gratuita” -isso porque não existe gratuidade, pagamos impostos e muito elevados, mas esses, exigem que para tal “benefício” os litigantes têm que estarem num estado de miserabilidade, contrario ao que prega nossa “esfarrapada” constituição! Isso tudo é para poder “a maquina administrativa” do judiciário com as burras cheias para poderem manter essas mordomias, enquanto os trabalhadores estão sendo levados à perda de seus direitos, salários e até mesmo a condição de dignidade!

    1. Olá colega, entendo e respeito sua insatisfação com o Poder Judiciário embora não comungue de suas ideias. Acredito sim que todo o Estado Brasileiro deva sempre melhorar (Judiciário, MP, DP e principalmente Executivo e Legislativo), mas não acho que exista o direito constitucional à gratuidade de justiça para todos, isto porque o Poder Judiciário deve ser o último recurso, judicializar uma pretensão deve ser uma ação responsável e importante, não deve ocorrer de forma banalizada/trivial. Esta é minha opinião, embora respeite a do colega.

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